quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A HISTÓRIA DE ANTONIO PESCADOR

Iemanjá, Eli Heil
Numa praia de águas calmas, aldeia de pescadores, Ali nasceu Antonio, em jardim de muitas flores, Aguas de muitos peixes, a vida de pobres trabalhadores. Lugar de tantos encantos, mundo de muitas dores. A mãe, menina fraquinha, não viu filhinho crescer, Logo deixou este mundo, cansada de tanto sofrer. O pai assim tão sozinho, achou a criança não merecer; “Iemanjá proteja meu filho, o menino precisa viver.” Clemência, ama de leite, foi da criança cuidar, Que o pai desconsolado queria o mundo deixar. A ama, mãe amorosa, pediu-lhe quase a chorar: “Moço, vá prá bem longe, se mude deste lugar.” O menino Toninho, cresceu bem devagarinho; Custou a caminhar, a trocar os primeiros passinhos. A criança sorria e sonhava em seus breves soninhos; Sonhava que cantava, e tocava um pequeno sininho. Sua saga tão bonita no candomblé se revelou: Enfrentar grandes desafios, isso logo êle aceitou, Pois Iemamjá, sua madrinha tão bem o encorajou; Encontrar o pai tão distante, bem, aí Antonio duvidou. No pobre vilarejo o pescador andava desanimado: Pras redes dos grandes pesqueiros ia todo o pescado; Até o sonho da juventude teria que ser adiado. Como resistir a tentação em meio a tanto pecado? Certa noite Antonio teve um sonho bem diferente: Sonhou com o pai numa cama, gemendo muito doente: “Antonio, meu filho...” chamava êle de modo comovente. Chegara a hora de partir, encontrar aquele pai ausente. Difícil foi se despedir de tanta gente amada: Os companheiros de trabalho, Mariá, a namorada. Mãe Clemência, velhinha, não enxergava mais nada. Deu vontade de desistir de tão longa caminhada. Mas de novo os orixás vieram em sua ajuda: Ogum logo respondeu ao seu grito de acuda: “Siga seu caminho, sem pensar em coisa miúda; Do mundo e suas lidas é Oxalá quem cuida.” Passagem cara, estrada longa, comida ruim; A poeira cobrindo tudo, nunca viu nada assim. Sonhando acordado, Mariá sorria e lhe dizia sim; Um frio danado, roendo seu corpo já perto do fim. Fim de viagem. Terra fria, terra estrangeira, Gente tão diferente, gente mais ligeira. E se não acostumar? Não é que não queira... Gente mais sem jeito, lugar mais sem beira... Antonio não atinava no que fazer primeiro. Melhor voltar já. Mas... ‘‘quéde’’ todo seu dinheiro? No bolso só um trocado e a foto do pai tão faceiro. Na sacola só muda de roupa; melhor mais andar ligeiro. Prá ajudar sempre aparece um bom coração: “Servente de pedreiro, alí na construção; Vá lá agora, moço, nem precisa condução”. Fale com o mestre, a obra tá com precisão.” A saudade da Bahia, a fome e o frio cortante: Três monstros prá derrubar naquela cidade gigante. A amizade dos companheiros, as rodas cantantes, A vontade de encontrar o pai, incentivos constantes. Os perigos da cidade, com todos Antonio aprendeu: Enfrentou preconceito, à exploração não cedeu. Sentiu-se excluido, sua fé foi o que lhe valeu. Muita força de vontade, pediu e Deus lhe deu. Da terra natal êle não se esquecia um instante: A imagem da morena Mariá, lá longe, tão distante... Às vezes a via tão perto, os olhos sempre brilhantes; Amor de verdade, sentimento mais importante. Certo dia, do alto do andaime, Antonio jurava que viu: Mariá parada lá em baixo, como no dia em que partiu. Esperava por êle? Passo em falso e o moço do andaime caiu. Só por Ogum, seu padrinho, o pobre não sucumbiu. Iemanjá, a boa madrinha, depressa seu pai foi buscar: Pedro passava distraído, sem nada para pensar, Quando o rapaz quase morto a seus pés foi parar. Pedro cuidou bem do filho sem de nada desconfiar. (Coincidência demais? acaso? Nada é impossível. Quem sabe das coisas, dos desígnios do invisível? Do destino das pessoas, do feliz ao mais terrível? Prá não acreditar, me perdoe, precisa ser insensível.) Mas uma grande amizade entre os dois aconteceu: Um admirava a dedicação de quem nada era seu; O outro dizia: “ só por valentia o moço não pereceu”. Os dois muito se pareciam, só cego não percebeu. Depois de muita conversa, assim apareceu a verdade: Pai e filho se descobriram em meio a grande felicidade. Pedro quis ajudar o filho em seus projetos na grande cidade; Antonio voltou a trabalhar e estudar; se formou em faculdade. Doutor bem posto na vida, de sua terra não esquecia, Mas o trabalho, compromissos, de viajar tudo o impedia. Entretanto a terra natal, sua gente, dele assim não desistia: Um dia Mariá veio buscá-lo, quem o chamava era a Bahia. Era hora de voltar: o pequeno vilarejo estava crescendo, Mas o povo sem recursos, cada vez mais empobrecendo. Que futuro aquela juventude poderia estar tecendo? Precisavam de alguém que seus problemas estivesse vendo. Antônio voltou ao lugar onde um dia tinha nascido. Não era o mesmo homem que de lá, há anos havia saído: Muito estudo, perigos, muitos desafios ele havia vencido. Queria ajudar seu povo, o herói agora estava crescido. *(Margarida Haucke)
*Margarida morou muitos anos na praia da Armaçã0,
Sul da Ilha de Santa Catarina.

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